Bonaccorsi – O Menino Que Mudou a História do Atari

Luiz Bonaccorsi é o nome de um menino brasileiro que mudou a história do colecionismo de Atari no mundo. Digo menino porque é como me lembro do bom e velho “Bona”, a partir de fotos que vi uma vez em sua antiga casa no Rio (as quais consegui resgatar):

Bonaccorsi - O Menino que Mudou a História do Atari - AntonioBorba.com

As fotos revelam a paixão pelo videogame. Uma paixão que não é apenas do menino Bonaccorsi, mas de todos que ainda conservam um pouco da criança dentro de si. Jogar Atari é como lembrar do garoto carioca que jogava videogames com sua coruja de estimação. Mas, acima de tudo, é jogar com o nosso lado garoto:

Bonaccorsi - O Menino que Mudou a História do Atari - AntonioBorba.com

A bem da verdade, Bonaccorsi não é mais um menino há muito tempo. Do alto dos seus quase 50 anos de uma vida marcada pelo Atari e por outros videogames, Bona é desconhecido de boa parte dos fãs de games clássicos e, mesmo entre os colecionadores que o conhecem, raramente é lembrado devido ao seu temperamento recluso.

Mas a verdade é que Bonaccorsi fez muito pelo colecionismo mundial de videogames em 1999, quando o eBay ainda estava em seus primeiros anos. Foi precisamente o site internacional de leilões que o possibilitou ganhar um bom dinheiro para sustentar sua família e, de quebra, resgatar a história do Atari no Brasil.

O Atari que era encontrado no LIXO

Antes de todos os especuladores que se criaram vendendo Atari no Mercado Livre, Bonaccorsi identificou um verdadeiro tesouro da história dos videogames sendo jogado, diariamente, no lixo.

Eram objetos que as pessoas simplesmente descartavam – “velharias”, sob a ótica de muitos. Afinal, o Atari era velho o suficiente para ser substituído por videogames mais modernos, porém, não velho o suficiente para ser reconhecido como raridade. As pessoas simplesmente jogavam fora seus consoles, às toneladas.

Enquanto isso, na finada feira da Praça XV, no Rio de Janeiro, Bonaccorsi coletava as preciosidades que as pessoas não queriam mais.

Atari Encontrado no Lixo - Feira da Praça XV - Rio de Janeiro - AntonioBorba.com

Atari Encontrado no Lixo - Feira da Praça XV - Rio de Janeiro - AntonioBorba.com

Outros locais muito visitados eram as feiras de Campo Grande, Santa Cruz e Bangu, além do bairro Areia Branca, em Belford Roxo.

Atari Encontrado no Lixo - Feira em Belford Roxo - RJ - AntonioBorba.com

Porém, acima de tudo, Bonaccorsi conseguia, através de seus contatos, resgatar consoles e cartuchos jogados diretamente no lixo. Isso mesmo, aqueles que não seguiam para feiras, mas eram sumariamente descartados.

Atari Encontrado no Lixo - Flea Makert - RJ - AntonioBorba.com

Lixo para alguns, tesouro para outros

É precisamente neste contexto que entra o eBay e o mercado mundial de colecionismo. Enquanto o brasileiro estava jogando fora parte de uma história não documentada (vide os livros de Garret, que discorrem sobre o momento político do Brasil), nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, havia colecionadores resgatando e documentando tudo sobre o Atari, especialmente em suas versões oficiais para os mercados americano e europeu.

Os colecionadores não estavam preparados para o tesouro que se escondia no Brasil. Era um mercado completamente desconhecido, no qual, graças à falta de uma lei de patentes na década de 80, a pirataria corria solta. Um jogo comum como River Raid ou Enduro poderia ter mais de 50 versões de diferentes fabricantes brasileiros, contra somente uma ou duas variações oficiais americanas.

Quando Bonaccorsi começou a colocar o “lixo brasileiro” no eBay, o mercado virou do avesso. Subitamente, os cartuchos mais interessantes e inusitados começaram a pipocar direto de uma “república de bananas” para o mundo. Plenamente compatíveis com os videogames NTSC americanos, não demorou para os games brasileiros impactarem o cenário do colecionismo internacional.

Não é preciso dizer que Bonaccorsi começou a ganhar um bom dinheiro com tudo isso. Um dinheiro honesto, que dava emprego para seus “parceiros do lixo” e ainda por cima, salvava da destruição uma grande parte do acervo nacional de videogames.

Se você acha que é exagero, pense de novo. Aqui está uma pequena amostra do “almoxarifado” de Bonaccorsi um pouco antes de uma remessa de Natal:

"Pequena" Remessa de Natal - Bonaccorsi - "Tesouro Brasileiro" enviado aos Gringos - AntonioBorba.com

Uma das características das embalagens do famoso “vendedor brasileiro do eBay” era o isopor: recortado com precisão cirúrgica para acomodar os itens eletrônicos, logo virou sua marca registrada. Por mérito de sua esposa Angelita Reinhold, as bonitas embalagens se revelaram práticas e adequadas, pois, com a leveza do isopor, protegiam os delicados objetos das longas viagens internacionais.

Aliás, para que se tenha uma ideia da importância da sua esposa, veja a autodefinição que ele fez questão de mencionar: “Não existiria Bonaccorsi sem Angelita”.

A retaliação do “mercado”

O mais curioso dessa história, que retrata toda a mesquinharia de um punhado de ditos colecionadores, deu-se a seguir. Ao perceberem que Bonaccorsi estava fazendo sucesso revendendo Atari e outros videogames clássicos pelo mundo afora, um grupo restrito de pessoas que se comunicava através de uma lista de discussão por e-mail o acusou de “vender nossos tesouros para os gringos”.

Subitamente, todo o material resgatado de um fim trágico no lixo, estava sendo rotulado como “tesouro”. E todo esse dito tesouro negligenciado estava adquirindo uma conotação negativa por cair nas mãos de pessoas honestas, que tinham como intenção preservá-lo. Afinal, nós, brasileiros, estávamos jogando tudo fora!

O mais inacreditável estava por vir: Bonaccorsi foi ameaçado e segregado da comunidade do colecionismo no Brasil. Algumas destas pessoas lhe venderam cartuchos raros e nunca entregaram, em uma clara demonstração de estelionato. Como se não bastasse, recebeu até mesmo uma ameaça de agressão física.

Esse era o pensamento da época, por mais difícil que seja acreditar.

Bonaccorsi e o mercado nos dias de hoje

Eu visitei Bonaccorsi no Rio de Janeiro por volta de 2006, quando ele ainda morava por lá. Tive a imensa satisfação de conhecer o famoso reduto de onde saíam pacotes e mais pacotes de raridades para todo o mundo. Tive contato com uma pessoa generosa, sincera e honesta.

Entretanto, o mercado de Atari mudou muito nos últimos anos. Os itens raros já não apareciam com tanta frequência. Quando surgiam, eram disputados a tapa por colecionadores brasileiros que, através do Mercado Livre, descobriram uma maneira fácil de comprar itens antigos. Muitas das “estratégias” adotadas pelos compradores envolviam pedir para os vendedores encerrarem leilões antes do prazo, ou mesmo oferecer dinheiro por fora, dando o lance em outro artigo e concluindo a negociação à parte do ambiente do Mercado Livre. Era o típico “jeitinho brasileiro” aplicado à comunidade digital. Os poucos itens que escapavam à gana dos novos colecionadores locais já não despertavam mais a atenção dos compradores internacionais, haja vista que poucos davam sequência à interminável tarefa de colecionar e catalogar itens piratas que não possuíam sequer um registro oficial de fabricação. Afinal, é impossível saber com exatidão até mesmo quantos cartuchos diferentes foram fabricados por cada empresa nacional.

Neste cenário, Bonaccorsi passou a vender outros produtos eletrônicos no Mercado Livre. Logo, se deparou com a cruel competição predatória oriunda do contrabando e da bandidagem. Recebeu desde visitas da polícia, em busca de propina para não apreender seu estoque “informal”, até ameaças e denúncias de vendedores concorrentes que operavam com produtos muitas vezes roubados.

Praticamente exilado do Rio, Bonaccorsi morou um bom tempo em Santa Catarina, colocou a cabeça no lugar e voltou para Teresópolis. Hoje, suas atividades são outras. Comercializa pouco videogame, mais como hobby do que pelo dinheiro. Sua esposa passou a fabricar capas temáticas para Atari, e eu já comprei algumas:

Capas de Atari Angelita Reinhold - AntonioBorba.com

Capas de Atari Angelita Reinhold - AntonioBorba.com

Todos os colecionadores gringos com quem eu converso a respeito de Bonaccorsi lembram dele com alegria e deferência. Mandam abraços, perguntam como ele está. Quase todos os colecionadores brasileiros com quem eu converso, sequer sabem quem ele é.

Para mim, Bonaccorsi será sempre um “herói anônimo” do Atari, além de uma pessoa que ousou pensar diferente e romper com o sistema.

Apêndice

Em 2007, Bonaccorsi gravou um programa ao vivo sobre videogames. Em uma clássica “disputa” entre o novo e o antigo, Bona mostra seu lado ranzinza e diverte a plateia:

Obs.: sim, o programa é muito tosco e não, dizem que Bonaccorsi não é tão resmungão como aparece no vídeo, e que na verdade foi tudo encenado. Mas isso é somente o que dizem por aí.

17 Respostas para Bonaccorsi – O Menino Que Mudou a História do Atari

  1. Arthur disse:

    Grande Bona, gente boa, conheci pessoalmente qdo veio aqui em casa fazer uma troca de consoles, realmente anda bem sumido…

    N sabia q algumas pessoas do canal 3 tinham feito isso com ele, lamentável, a bela da verdade é q quem faz dinheiro (ainda mais com “lixo”) acaba sendo alvo da inveja alheia e acredito q este tenha sido o real motivo. Cheguei a vender muitas coisas no ebay na mesma época do bonaccorsi, numa época q era bem mais fácil conseguir itens exclusivamente brasileiros pq realmente ninguém dava o mínimo valor por aqui

    O mercado mudou muito, colecionar videogames virou moda, muita gente querendo comprar e muita gente querendo vender. Bons tempos q colecionar videogames era nicho, e barato

  2. Pingback: Bonaccorsi – O Menino Que Mudou a História do Atari | Retrocomputaria Plus

  3. RJP disse:

    Só um comentário, a feira da Praça XV, no Rio, continua. Finada é a Avenida Perimetral, que passava por cima dela.

    Ótima matéria!

  4. Luiz Bonaccorsi disse:

    Pessoal, muito obrigado pelos comentários, agradeço ao Antônio pelo artigo curioso sobre essas minhas histórias do passado! Um grande abraço à todos, Luiz Bonaccorsi.

    • Jorge Fisher disse:

      Gostei da história, mas na procura pelo mesmo, no Facebook, só encontrei postagens sobre POLÍTICA, POLÍTICA, POLÍTICA, POLÍTICA…

      Nada sobre o Atari, nenhuma foto antiga, nenhuma observação sobre o bom e velho console.
      Até desisti de deixar uma mensagem.

  5. Gustavo disse:

    Muito Interessante,nunca imaginei que o Bonaccorsi tivesse passado por todos estes problemas.

  6. Junior Vedelago disse:

    Fantástico !! O Bona é um grande amigo e o recomendo como vendedor. Um tipo de pessoa na qual hoje não existe mais… Justo, Honesto.. Diferente do que existe no mercado livre hoje..

  7. Juliano disse:

    Ótima matéria, saudosismo puro, essas fotos das feirinhas, remetem um passado onde colecionar era algo mais “underground”, onda íamos garimpar nossas relíquias sabendo que de certeza voltaríamos pra casa com um item raro a preço justo. Lembro das “discussões” sobre a venda de itens raros do Brasil no ebay, e não era só o Bona que vendia, era comum, por exemplo, ver os primeiros Master System Collection a venda no ebay, logo na primeira semana de lançamento. Enfim, bons tempos.

    • Antonio Borba disse:

      Juliano, sem dúvida, os bons tempos do colecionismo, de certa forma, já se foram. Ao menos no Brasil. Concordo com você. Por esse motivo, tenho focado minha coleção nos cartuchos NTSC americanos. Mesmo lá, está ficando difícil de conseguir certos games. Mas o preço, ao menos, costuma ser mais justo e nivelado. Abraços!

  8. Giovani Gandelim disse:

    Boa noite Antonio, tudo bem ??

    Cara, achei fantástica sua matéria mas surreal, fizeram mesmo isso com o Bona ?? Eu negociei vários itens com ele entre 2000 e 2004, um cara super honesto e gente fina comigo.

    • Antonio Borba disse:

      Giovani, salve. A história é 100% verdadeira, revisada pelo próprio Bona. Eu fiz questão de “contar a história”. Imagine você que ninguém sabia exatamente os detalhes que sucederam com ele, um cara que admiro pacas. Essa história jamais poderia deixar de ser resgatada.

      • Giovani Gandelim disse:

        Sem dúvida nenhuma Antonio, parabéns mais uma vez pela iniciativa, eu conversei várias vezes com o Bonaccorsi por e-mail na época, não o conheci pessoalmente, mas sempre foi um cara honesto e cordial, realmente uma pena que isso tenha acontecido com ele.

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